Vinho

Para saber escolher um bom vinho, não é preciso ser um estudioso.
O segredo é beber para conhecer
(oba!)











Pânico.Você está num bom restaurante e o garçom traz a carta de vinhos, grande, pesada, ameaçadora. São mais de 500 itens, garrafas de nomes mirabolantes e origens de todos os cantos do planeta. Uma esfinge para a qual você não tem resposta.
Que fazer?
Branco, tinto? Chileno, italiano? Chardonnay, Merlot?


(Aliás, o que será “merlot” – uma cidade, uma região, uma uva, um tipo de vinho, uma marca?!)

A boa notícia é que nos últimos anos o Brasil passou a importar e a produzir bons vinhos, contando hoje com um estoque invejável de produtos.
A notícia incômoda é que o consumidor não teve ainda tempo nem condições de acompanhar a oferta.
O resultado é que sobrevive entre nós uma aura de esnobismo em relação ao vinho, indicando (falsamente) que, para apreciar a bebida, é preciso ter muito dinheiro e muito conhecimento. Assim, muita gente desiste de experimentar só de imaginar que possam ser necessários anos de estudo e conhecimento para escolher o que beber.


Mas a verdade é bem diferente: há vinhos bons e baratos, assim como é possível apreciar um bom vinho mesmo que não se tenha uma longa experiência na área.Além do mais, quem disse que fazer uma escolha é algo tão aterrador? Será que não existem atalhos para que possamos escolher o que beber, sem que seja preciso carregar um gigantesco cabedal de conhecimento?

A resposta pode ser buscada no dia-a-dia dos apreciadores de bebidas no Brasil. Vejamos o seu caso: você gosta de cerveja? Fica constrangido quando tem que pedir uma cerveja num bar? Provavelmente não, porque sabe bem a marca e o tipo que quer beber. E como chegou a essa decisão? Fazendo cursos? Lendo uma extensa literatura? Provavelmente não: você deve ter bebido mais de uma marca e, por sua experiência pessoal, determinou aquela de sua preferência.


O mesmo pode ser feito com relação ao vinho. Da mesma forma como faz o cervejeiro, aquele que quer beber vinhos com freqüência não precisa começar pelos livros ou pelos cursos, mas pelo seu próprio prazer.É seu paladar, seu gosto, que dirá aquilo que o agrada, o tipo de vinho que prefere.
Isso não quer dizer que, uma vez experimentado um vinho que agrada, o bebedor vá ficar a vida inteira amarrado nele. Em primeiro lugar, porque o gosto,bem como o vinho, evolui – os habitantes da Grécia antiga bebiam vinho misturado com especiarias e água, o que não mudou muito durante a Idade Média, mas já não acontece hoje (a não ser em coquetéis e ponches). Depois, a oferta agora é tão variada que dificilmente alguém gosta somente de um tipo de vinho – a tendência é termos várias preferências.


Mas, para começar, não é mau identificar os vinhos que agradaram o paladar – pode até tomar nota de seu nome –, da mesma forma que convém ir memorizando aqueles que desagradaram, para que sejam evitados. O apreciador curioso terá cada vez mais prazer, cada vez que vai ao supermercado ou à importadora, ao comprar uma garrafa daquele vinho que já sabe que aprecia, e ao mesmo tempo comprar uma outra que não conhece (seja pega ao acaso, seja por indicação de amigos ou de algum artigo na imprensa especializada). É muito gostoso experimentar um vinho novo, cotejá-lo com suas preferências. Se gostar, vai para a lista dos que você poderá pedir numa próxima compra ou no restaurante. Senão, vai para a lista negra.
O tipo de vinho importa
Com o tempo, você vai notar que muitos dos seus vinhos do coração têm coisas em comum. Por exemplo: são todos argentinos ou espanhóis ou gaúchos. Como cada país tem determinadas características climáticas, de terreno, de tradições de cultivo e de produção da bebida, ocorre que seus vinhos tenham algumas características comuns.
Talvez você prefira a fineza dos vinhos franceses (mais sutis e delicados na boca) à potência dos californianos (de sabores marcantes), ou vice-versa. Outro exemplo: você pode perceber que, independentemente do país, os vinhos de que você tende a gostar são feitos com a mesma uva, e então você descobre que tem uma queda pela Chardonnay (de vinhos brancos), ou pela Cabernet Sauvignon (de tintos) – duas uvas tradicionais das regiões francesas da Borgonha e de Bordeaux,respectivamente, mas que hoje dão origem a vinhos em inúmeros países produtores. Sendo assim, quando for ao restaurante, já sabe que pedirá um vinho daquela região ou daquela uva preferida, o que reduz em algumas centenas o leque de opções disponíveis. É normal que pessoas se afeiçoem a determinadas uvas, pois cada uma delas tem características aromáticas e de sabor bem típicas.
Química do vinho
Não há limites para essas sensações. Todos já viram aquela caricatura do apreciador de vinhos que sente cheiros aparentemente bizarros como de asfalto ou de estrebaria nas amostras que está experimentando. Ou então aquelas descrições de vinhos que relatam aromas de banana, de baunilha, de cereja, que mais parecem alucinações dos degustadores.Afinal, como é possível que um vinho originário de um vinhedo onde não há nem sombra de cerejas ou de violetas tenha aroma dessa fruta e dessa flor?
Pois a verdade é que eles podem ter, mesmo, tais perfumes – mas por mera casualidade, não pela proximidade física. Se um Beaujolais nouveau tem aromas de banana, isso não significa que essa região francesa tenha uvas plantadas no meio de um bananal. Significa apenas que, durante a confecção do vinho, as transformações químicas naturais por que passa o suco de uva levaram à formação de moléculas responsáveis por aromas que, casualmente, são as mesmas moléculas responsáveis pelo aroma da banana. O mesmo acontece com os cheiros de ameixa (no caso de um vinho jovem da uva Cabernet Sauvignon), de baunilha (um vinho da uva Chardonnay ou outras fermentado em barris de carvalho), de pimentão (o Cabernet Sauvignon), de frutas cítricas (um vinho de uva Sauvignon Blanc), de frutas em compota (vinho do Porto), de tabaco, de couro, de chocolate e de inúmeras outras frutas, flores, vegetais e incontáveis objetos que podem acender nossa memória olfativa.
Ah, os aromas...
Mas nem sempre é fácil, para quem começa a beber, fazer associação entre um aroma e algum outro produto que já tenha passado por seus sentidos. E isso não é problema: ninguém precisa perceber que tal vinho tem gosto de abacaxi para apreciá-lo: se gostou do vinho, basta.Vale a pena beber. No entanto, à medida que se bebe mais, e mais se presta atenção, mais se consegue identificar a riqueza das sutis gamas de sabores e aromas de cada bebida. Para que serve isso? Apenas para uma coisa: amplificar nosso prazer. Assim como um amante da música pode curtir com mais intensidade um concerto quando ele é capaz de divisar o som de cada instrumento e admirar a performance de cada músico, da mesma forma o apreciador de vinhos terá mais emoção à medida que conseguir identificar com mais detalhes a qualidade da bebida que está sorvendo.
Para chegar a esse ponto, o melhor caminho é a prática. Quanto mais vinhos bebermos, maior nosso leque de informações em todos os sentidos – teremos mais marcas, uvas e regiões de que sabemos se gostamos ou não.A forma mais eficiente de fazer isso é o estudo sistemático. E uma forma prazerosa de fazê-lo é participar de cursos de degustação, ou mesmo montar com amigos grupos de degustação, para experimentar vários vinhos, cotejando- os lado a lado.
Será tudo isso necessário? Não. O principal é experimentar e aprender, por si só, suas preferências, e adotá-las quando for ao mercado ou ao restaurante. Quem tiver mais interesse pode aprofundar as degustações, seja em cursos ou com amigos. Nunca vi uma seção dessas (algumas horas bebendo vários vinhos) em que alguém saísse sem aprender um pouco mais, e sem um estupendo bom humor.
Gosto não se discute
“Não sei dizer se este vinho é bom ou não, pois não entendo nada de vinho” – eis uma frase tão comum quanto falaciosa. E quem disse que é preciso entender de vinho para saber se determinado vinho é bom ou não? Para saber a resposta, basta um teste simples: colocar um bom e um mau vinho diante de alguém que não entende do assunto, para que ele os compare. Por menos experiente que seja, o bebedor, ao comparar as amostras, com certeza apontará como melhor o vinho que de fato é bom. Mesmo que, por falta de experiência, não tenha repertório para explicar precisamente por que gostou mais de um que de outro.
E o que significa dizer que um vinho é bom? É simples: o vinho contém certas características que, se combinadas harmoniosamente, darão a sensação de uma bebida equilibrada, gratificante para o paladar. Todo vinho tem acidez, tem álcool, tem amargor, tem açúcar. Os vinhos tintos têm também taninos (que, quando muito jovens ou intensos, dão uma sensação de amarrar a boca, como o caju ou a banana verde). Todos esses elementos são desejáveis no vinho.
No entanto, se um deles se sobressai muito em relação aos outros, compromete o equilíbrio da bebida. E qualquer pessoa percebe que algo está errado ali.
Por exemplo, um pouco de acidez é desejável nos vinhos, pois lhes dá vivacidade. Mas um vinho muito ácido é obviamente desagradável. O mesmo se pode dizer do amargor ou dos taninos. Ninguém precisa ser especialista para perceber que não é bom um vinho que queima na boca por estar excessivamente alcoólico, ou que dói nas mandíbulas pelo excesso de amargor.
Portanto qualquer pessoa, treinada ou não, pode apreciar um bom vinho e rejeitar um que seja ruim. Esse equilíbrio na bebida vale tanto para um vinho encorpado (que deixa uma sensação de “peso” na boca, ocupa todos os espaços do paladar com seu corpo) da Califórnia quanto um mais leve do Vêneto italiano (como o Valpolicella, por exemplo). Por isso, além de verificar se o vinho é de qualidade, cada um tende a escolher o estilo que mais o agrada.
O que manda é o gosto pessoal. Que cada um vai descobrir e cultivar com base na própria experiência, acumulada em goles anteriores.


Com que tipo eu vou?
Uma das mais complicadas operações na escolha de vinhos é decidir qual deles combina melhor com determinado prato. Grandes sommeliers (responsáveis pelo serviço de vinhos) mundo afora dedicam horas de seus estudos a definir tais combinações. Algumas são clássicas e vêm das tradições da região em que o vinho é produzido. Outras são inesperadas e devem ser estudadas caso a caso. Uma coisa para profissionais, portanto. Mas quem não é profissional pode amparar-se em algumas regras elementares para ter sempre vinhos que, no lugar de se chocar com a comida, realcem as qualidades de ambos.
A primeira regra – válida aliás para qualquer casamento – é que nenhum dos dois componentes pode ofuscar, se sobrepor ao outro: se o prato é um delicado peixe no vapor, não se pode tomar um potente vinho tinto (pois na boca prevalecerá o gosto da bebida, e o sabor do peixe desaparecerá). Nesse caso, melhor um branco leve. Vale o oposto: se o prato é muito potente (um untuoso guisado de javali, por exemplo), um vinho leve vai desaparecer na boca, parecerá aguado e sem graça. Nesse caso, melhor um vinho tinto encorpado.
Assim, faz sentido, ao menos em termos gerais (aceitando exceções), a norma popular que recomenda vinho branco para peixes (ambos normalmente mais leves), e vinho tinto para carnes (ambos geralmente mais potentes, saborosos). Outra harmonia comum é a das sobremesas com vinhos doces: o açúcar de ambos tende a se compensar e, ao invés do resultado ser uma sensação doce demais, o que acontece é que a doçura do vinho ameniza a doçura da sobremesa e vice-versa, produzindo um resultado harmonioso.


Em outros casos, a harmonia se dá por oposição. Por exemplo, com pratos muito gordurosos, escolhemos aqueles vinhos mais secos, jovens e adstringentes: a gordura amacia a rispidez e os taninos da bebida, enquanto esta diminui a sensação de gordura do prato




















por Josimar Melo